Política

Presidente João Lourenço destaca importância da luta de libertação nas ex-colónias portuguesas

Bernardino Manje | Em Lisboa

O Presidente João Lourenço destacou, ontem, em Lisboa, a importância das lutas pela libertação dos países africanos de expressão portuguesa na precipitação dos acontecimentos de 25 de Abril de 1974, em Portugal.

26/04/2024  Última atualização 09H10
João Lourenço disse que a Revolução de Abril permitiu a Portugal estabelecer uma democracia criativa, vibrante e inclusiva © Fotografia por: rafael tati | EDIÇÕES NOVEMBRO

Ao discursar no acto que marcou as comemorações oficiais dos 50 anos da Revolução dos Cravos, o Chefe de Estado angolano lembrou que, enquanto o povo português lutava contra o fascismo e a ditadura salazarista desde 1932, os povos africanos colonizados por Portugal lutavam, desde o século XV, contra a colonização portuguesa e suas consequências, como a escravatura e a pilhagem das suas riquezas.

"Lutámos pelo fim dos abusos, dos crimes e da violação dos direitos humanos cometidos pelo regime colonialista contra os nossos povos durante séculos. Lutámos pela nossa dignidade enquanto seres humanos que somos, que devem ter o mesmo direito à liberdade, o direito a sermos os senhores do nosso próprio destino", disse, perante os presentes na sala principal do Centro Cultural de Belém.

Segundo João Lourenço, as lutas armadas pela Independência na Guiné-Bissau, em Angola e em Moçambique atingiram um estádio de tal modo avançado, sobretudo após o fracasso da operação Mar Verde, o assassinato de Amílcar Cabral e a proclamação da Independência da Guiné-Bissau pelo PAIGC nas colinas de Madina de Boé, em 1973, o fiasco da operação Nó Górdio e as pesadas baixas infringidas pela FRELIMO e pelo MPLA às tropas coloniais portuguesas em Moçambique e no Norte e Leste de Angola, fizeram precipitar os acontecimentos que levaram ao levantamento e golpe militar do 25 de Abril de 1974, em Portugal.

A luta de libertação nas então colónias portuguesas em África, referiu, fez aumentar nos portugueses o sentimento e a consciência da necessidade da queda do regime que era ditador e fascista, mas ao mesmo tempo colonialista.

Para João Lourenço, a 25 de Abril os portugueses protagonizaram o histórico acontecimento que passou para a História como a Revolução dos Cravos, que pôs fim a mais de 40 anos de ditadura salazarista, responsável pela opressão não só do povo português, como também dos povos das então colónias portuguesas.

O Presidente angolano reconheceu a coragem e heroísmo dos "Capitães de Abril” e dos resistentes portugueses que lutaram por todas as formas e meios contra a ditadura, enfrentando a máquina opressora do regime, a PIDE/DGS e seus apêndices, que não se coibiam de torturar e matar os melhores filhos desta terra.

"A Revolução de Abril resgatou os direitos cívicos e políticos que estiveram proibidos e anulados pela ditadura por quase meio século. Ela quebrou o isolamento internacional de Portugal perante a comunidade internacional e possibilitou a implementação de um Estado Democrático de Direito, onde os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses estão hoje constitucionalmente assegurados", ressaltou.

A causa dos países africanos de expressão portuguesa era a mesma que a do povo português e, por isso, segundo João Lourenço, "juntos lutámos e juntos vencemos o mesmo inimigo, o colonialismo e a ditadura fascista de Salazar e Caetano".

O Chefe de Estado destacou ainda o facto de se manterem "fraternais laços de amizade entre os nossos respectivos povos", ao mesmo tempo que "estabelecemos uma profícua e mutuamente vantajosa cooperação económica entre os nossos países".

Para João Lourenço, a Revolução de Abril inaugurou uma nova fase da história da nação portuguesa, que conseguiu estabelecer nos anos que se seguiram uma democracia criativa, vibrante e inclusiva, capaz de manter relações fraternais com as suas antigas colónias, assentes na partilha de um património linguístico, histórico e cultural comum.

"Depois de termos alcançado as nossas independências nos anos 70, alguns dos nossos países, como Angola e Moçambique, tiveram de enfrentar ainda a invasão dos seus territórios pelas forças do regime do apartheid da África do Sul e seus protegidos internos", lamentou.

Graças à determinação em não aceitar uma nova dominação, sublinhou, estes foram enfrentados em várias frentes, culminando com a derrota na histórica Batalha do Cuito Cuanavale, em Angola, aos 23 de Março de 1988, acontecimento que mudou de forma irreversível a correlação de forças no tabuleiro do xadrez político da África Austral.

"O regime do apartheid caiu, a Namíbia tornou-se num Estado livre e independente e a África do Sul instituiu um regime democrático, governado por quem conquistou nas urnas a maioria dos votos dos eleitores", lembrou.

Segundo João Lourenço, Angola e estes países souberam vencer e superar o desafio da sua existência como nações livres e soberanas, estabelecer a paz e a reconciliação, estando hoje empenhados no seu desenvolvimento económico e social.

"O desafio de hoje é o da consolidação da democracia, da diversificação e fortalecimento das nossas economias, do aumento da oferta de bens e serviços, do aumento das exportações e do aumento da oferta de postos de trabalho para a redução do desemprego", afirmou.

Conflito entre a Rússia e a Ucrânia

O estadista angolano referiu-se, igualmente, ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, defendendo que sejam envidados os esforços diplomáticos necessários para que seja alcançada a paz definitiva, não só na Ucrânia, mas também em todo o continente europeu.

"Nós, que lutámos pela liberdade que hoje comemoramos, temos o dever moral de condenarmos a agressão, ocupação e anexação de territórios ucranianos pela Rússia e de exigir o respeito pela soberania e integridade territorial da Ucrânia e que sejam envidados os esforços diplomáticos necessários para que seja alcançada a paz definitiva na Ucrânia e na Europa no geral", afirmou o Campeão para a Paz e Reconciliação em África.

"O povo palestino é pacífico"

O Presidente João Lourenço condenou, mais uma vez, a acção terrorista do passado dia 7 de Outubro, que vitimou milhares de "pacíficos cidadãos israelitas" e fez centenas de reféns, que devem ser postos imediatamente em liberdade.

O Chefe de Estado angolano condenou, também, a reacção desproporcional de Israel, que apesar do direito que lhe assiste de defender os seus cidadãos e o Estado de Israel, "não pode ter carta branca, luz verde, para matar indiscriminadamente crianças, mulheres, velhos, doentes acamados, jornalistas e trabalhadores de organizações humanitárias internacionais".

"O direito humanitário internacional deve ser respeitado em situação de guerra", defendeu João Lourenço, para quem o mundo não pode permitir que, com o argumento da necessidade da eliminação do Hamas, o povo palestino seja exterminado, não só pela acção das bombas, como também pela negação imposta pela força ao mais elementar direito humanitário, o do acesso aos alimentos, à água e assistência médica e medicamentosa.

"Não há povos terroristas, o povo palestino é como todos os povos, um povo pacífico que almeja viver em paz e harmonia com outros povos, nos marcos de um Estado reconhecido internacionalmente", defendeu.

João Lourenço disse ter chegado "o momento de se exigir o fim desta guerra e começarmos a dar, sem mais demora, os passos concretos e necessários para a criação de facto do Estado da Palestina, como determinam as várias Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que considera esta a única forma segura e duradoura de solução deste velho conflito”, no interesse de ambos os povos, o judeu e o palestino, de Israel e da Palestina.

"Tudo deve ser feito pela comunidade internacional no sentido de se evitar a iminente probabilidade do escalar e alastrar do conflito naquela que é uma das mais voláteis regiões do nosso Planeta", exortou o Chefe de Estado, para quem, "independentemente de quem arremessou a primeira pedra, a Israel e ao Irão apelamos à necessidade da máxima contenção para se preservar a paz e segurança mundiais".

Proliferação do extremismo e da xenofobia é preocupante

Durante o seu discurso, o Chefe de Estado angolano manifestou a sua preocupação pelo crescimento do extremismo, xenofonia e terrorismo no mundo, males para os quais exortou os homólogos dos países de expressão portuguesa a combatê-los.

"Nesta data em que comemoramos os 50 anos do 25 de Abril, o mundo assiste com preocupação ao crescimento e proliferação de movimentos extremistas, da xenofobia, do neonazismo, da intolerância política e do fundamentalismo religioso, do terrorismo, que ameaçam as democracias e procuram, por meios democráticos nalguns casos, mas sobretudo por métodos e caminhos inconstitucionais, chegar ao poder", disse.

Na presença dos homólogos de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, na qualidade de anfitrião, de Cabo Verde, José Maria Neves, da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, de Moçambique, Filipe Nyusi, de São Tomé e Príncipe, Carlos Vila Nova, do Primeiro-Ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, bem como de Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil, João Lourenço apelou para que, mais uma vez, se juntem "às nossas vontades e energias para enfrentar e derrotar estas forças negativas que hoje se apresentam com novas roupagens, mas que ameaçam as liberdades fundamentais dos cidadãos, a vida humana e o progresso social das nações".

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