Reportagem

Circunscrição construída com a riqueza do “bago vermelho”

César André

Jornalista

O musseque Braga, como era designada a circunscrição nos anos 1940, ganhou o nome de Bairro do Café porque foi, em grande parte, requalificado e modernizado por grandes fazendeiros do café, que começaram a ter bastantes lucros aquando do “boom” do consumo global deste produto após o final da Segunda Guerra Mundial (1945).

27/08/2023  Última atualização 09H05
Bairro do café (actual Maculusso) © Fotografia por: Edições Novembro
O Bairro do Café, antigo musseque Braga, como era denominado nos primórdios dos anos 1940, foi durante muito tempo uma autêntica floresta, tendo evoluído e se desenvolvido com a chegada dos roceiros portugueses provenientes da antiga metrópole que vieram à colónia de Angola à procura de novas oportunidades de vida. Esses agricultores das "tongas”, muito cedo partiram para a região Norte de Angola, concretamente para o antigo Distrito de Carmona (Uíge), onde estabeleceram grandes fazendas de cultivo  de café. 

Foi graças aos ganhos resultantes da alta cotação do café no mercado internacional, impulsionada pelo "boom” do consumo do café -, que se transformara num produto da moda e com estimadas propriedades benéficas para a saúde -, aliado à poupança que os colonos fizeram, que nasceu o Bairro do Café. (Sublinhe-se que em 1973 Angola chegou a ser o terceiro maior produtor mundial de café). Na localidade já habitava, solitariamente, o comerciante português Braga, cujo nome, inicialmente, viria a estender-se a toda a circunscrição.

Nos primórdios dos anos 1950, os bairros periféricos em Luanda eram chamados "musseques”.  As casas eram geralmente feitas à base de barro de areia vermelha com ramos de palmeira entrelaçados. Na área que viria a ser o musseque Braga,  nos finais dos anos 1930, instalou-se o fubeiro (comerciante) de nome Braga. Proveniente da região de Trás-os-Montes, em Portugal, o dito senhor Braga   montou a sua loja onde passou a comercializar produtos de primeira necessidade. A sua clientela, naquele período, era na sua maioria composta por populações que viviam na periferia. A atribuição do seu nome ao bairro foi feita pela clientela, pois a zona outro nome não tinha.  "A junção das palavras ‘musseque’ e ‘Braga’ passou a constituir o nome da circunscrição: Musseque Braga”, conta Alberto André Kandov, um antigo frequentador do bairro.

Depois surgiu o "boom” imobiliário. Os roceiros compraram ali terrenos para a construção de grandes edifícios e vivendas.

 "Foi uma grande visão e oportunidade de negócio que os roceiros tinham nessa altura. Como os terrenos eram baratos,  os interessados avançaram com a proposta do negócio sem hesitar. Avançaram com o projecto. Hoje está aí o resultado”, enfatiza Rui Sancho, antigo morador.

O sucesso imobiliário da zona, inevitavelmente, viria a atrair outras elites e gentes da classe média. Passados mais de 50 anos, é mais do que visível que a circunscrição cresceu e se transformou, a bem dizer, no coração urbanístico da cidade de Luanda. Há na zona edifícios que se enquadram na chamada arquitectura moderna e outros ainda inspirados na arquitectura colonial. Surgiram, a par de grandes vivendas, prédios de vários andares que além de albergarem apartamentos têm no seu seio escritórios de empresas e de profissionais liberais. A parte térrea desses edifícios voltados para as ruas principais apresentam montras apelativas de lojas que à noite brilham sob as luzes fortes e multicolores.

Localizado numa área nobre

Situado no coração de uma das zonas mais nobres de Luanda, o Bairro do Café, actual Maculusso, ocupa uma posição geográfica que permite o fácil acesso à Baixa da cidade, bem como ao aeroporto internacional e às principais entradas e saídas da cidade.

Num "abrir e fechar de olhos”, requalificada com o forte investimento imobiliário, a zona passou a ser considerada como uma das placas giratórias da urbe. Nos anos 1960 foram erguidos edifícios icónicos que viriam a ficar renomados e passariam a fazer parte do portfólio arquitectónico da cidade. Estamos a falar, por exemplo, da Igreja Sagrada Família, do Cinema Tropical, do antigo Rádio Clube de Angola (actual Cefojor), da Nunciatura Apostólica, da Maternidade de Luanda, do Hospital Militar... 

O bairro foi projectado e construído milimetricamente com bastante rigor, respeitando as normas urbanísticas em vigor na Metrópole. Aliás, algumas das edificações pareciam-se muito com as existentes em Portugal.  Ainda no anos 1940, com a construção das primeiras casas de várias tipologias e reconhecido bom gosto, o musseque Braga já era tido como um bom lugar para  se viver. 

Para além dos roceiros portugueses ou "brancos de segunda classe”, como eram tratados naquele tempo, vivia também naquela circunscrição uma franja da sociedade colonial portuguesa ligada ao funcionalismo público e que se poderia considerar como pertencendo à classe média.

Circundado pelos bairros Alvalade, Maianga e Maculusso, além do Liceu Salvador Correia, hoje Mutu ya Kevela, o Bairro do Café tinha e tem ainda como outras referências a antiga Tabacaria Sá da Bandeira, as bombas de combustível do velho Pompeio, na avenida Sá da Bandeira,  as antigas instalações da sede da Empresa de Viação de Angola (EVA), em ruínas na rua Rodrigues de Miranda Henriques. De referências não é tudo. O bairro contava também com o supermercado Paula de Carvalho, os gelados Torrão na avenida Sá da Bandeira, o hotel Vice-Rei na rua Joaquim Kapango, ao lado da Igreja Sagrada Família, e os estabelecimentos Barata e Gameiro. Antigamente, a zona fronteiriça entre os bairros do Café e da Maianga era um espaço baldio, cheio de eucaliptos, onde posteriormente seria construído o imponente Prédio do Livro, aí para quem desce da Sagrada Família                   em direcção ao Largo da Maianga. A circunscrição, que também tem ligação com a zona da Estação do Quilómetro 5 do antigo Caminho-de-Ferro de Ambaca (área do Hospital Militar e da Maternidade de Luanda - Lucrécia Paim) e com o primeiro Aeroporto de Luanda, que ficava ali na zona onde estão os Bombeiros Centrais, a sede do Partido MPLA e o antigo edifício do Ministério da Gelogia e Minas, sofreu, ao longo dos tempos,  grandes transformações.

Diversão e lazer na sociedade colonial

No Bairro do Café tinha uma grandiosa obra de arte: o Cine Bar e Dancing Tropical. Este estabelecimento, além de projectar filmes, realizava bailes e espectáculos variados. A sala dispunha de cerca de 700 lugares. 

Relatos de alguns moradores indicam que foi nesta magnífica sala de cinema onde puderam assistir e desfrutar de filmes que lhes marcaram para sempre a memória.   "Continuaram a chamar-lhe Trinitá”, "Zorro”, "O meu Tio”, "Meu Nome é Ninguém”, "Cantinflas ataca de novo”... Esses são alguns dos títulos mencionados pelas nossas fontes. Tanto as matinées (para um público infanto-juvenil) como as soirées (sessões mais tardias na noite, para o público adulto) batiam recordes de assistência, como conta Manuel Fernandes, que morou no início dos anos 1970 na rua Brito Godins,  próximo ao Cinema Tropical.

Nos dias de baile a sala de espectáculos também batia recordes em termos de audiência, e o estacionamento de viaturas ao longo da rua Brito Godins tornava-se um caos. 

No bairro havia ainda a Rádio Clube de Angola, uma estrutura do Sport Luanda e Benfica, que também exibia filmes e organizava bailes. "Como o local era aprazível, era bastante frequentado pela juventude da circunscrição para desfrutar de momentos de lazer, participando em bailes e concursos que a casa organizava”, recorda Silva Medeiros, antigo morador da rua Antero Tavares de Carvalho.

Dos estabelecimentos comerciais existentes na época destacam-se ainda o Passarola, Boowling, Florida, Académica e as lojas do Chiadinho, as pastelarias Bolo Rei e Mimosa, os Armazéns Lima, a Padaria Lima, a Sapataria Lima, a Vidraria Desirat, a ourivesaria e oculista Sobral, entre outras. O bairro tinha também  como referências a Farmácia Colonial, a Mini Clínica Maternidade da parteira Angelina, a Papelaria  São Luís e a oficina do Maia, mecânico de motorizadas de alta cilindrada.

Bombas de combustível do velho Pompeu

Situada num dos principais entroncamentos do Bairro do Café, na antiga avenida Sá da Bandeira, esse estratégico Posto de Abastecimento de combustível era uma das grandes referências da circunscrição. O empreendimento comercial, que tinha como proprietário o velho Pompeu, foi, durante muito tempo, considerado local de paragem obrigatória para os automobilistas que circulavam na hoje rua Nkuwme Nkrumah e se dirigiam à Baixa,  e não só.

José Martins, que morou no prédio dessa mesma bomba, diz que naquele tempo a avenida era bastante estreita e muito movimentada. E como a bomba de combustível estava na esquina da rua, causava um certo aperto aos automobilistas nas horas de ponta.

Antigamente era comum ver a transitar na avenida Sá da Bandeira uma camioneta de transporte de combustível que tinha nas portas o logotipo da Empresa de Mudanças e Transportes Eliseu Alves, Lda, uma das maiores empresas de transporte daquele tempo, recorda José Martins.

Zé Pedro nasceu na Maternidade de Luanda e diz ter morado numa vivenda próximo às bombas do velho Pompeu.   "Eu nasci aqui nos anos 60 e o meu pai trabalhava no jornal Diário de Luanda, chamava-se Fausto Figueiredo. Foram bons momentos que tive nesse bairro acolhedor”, conta.

Estação da Maianga do antigo Caminho-de-Ferro de Ambaca

Em frente ao Liceu Nacional Salvador Correia (na  área da sua rampa), na fronteira com a Maianga, antes da construção daquela estrutura académica, foi erguido, em 1888, pelas autoridades coloniais portuguesas, a segunda estação do Caminho-de-Ferro de Ambaca.

Este histórico "término ferroviário”, denominava-se Estação da Maianga. O Caminho-de-Ferro de Ambaca  mais tarde viria a ser designado  Caminho-de-Ferro de Luanda (CFL). 

Segundo reza a história, tudo começou em 1881. Viviam então em Luanda 15.000 pessoas, entre as quais  cerca de três mil portugueses.

O primeiro traçado do comboio, como recorda o livro "Uma história viva”, editado pelo CFL, foi inaugurado a 31 de Outubro de 1888, ligando Luanda à Funda, num percurso de 45 quilómetros. Consta também que a estação do Bungo, a primeira por sinal,  próximo à marginal de Luanda,  que ainda hoje mantém o traçado original, chegou  a permitir a ligação à zona mais nobre da capital, a Cidade Alta.

Desconhecida pelas gerações mais novas, essa linha ferroviária cruzava o centro da cidade, ligando ainda a então Câmara Municipal  de Luanda (hoje Governo Provincial de Luanda), com dois comboios diários, até ser desactivada em 1958, quando a expansão urbanística tomou conta da cidade.

De acordo ainda com a publicação que vimos citando, poucas memórias dessa linha perduram na zona antiga de Luanda, a não ser a então estação da Maianga, que ostenta numa das paredes a inscrição "Cidade Alta”.   Sem carris por perto, a antiga estação está agora transformada numa loja, mas passa completamente despercebida no quotidiano frenético de Luanda.

Recordações plasmadas no livro destacam a ponte das barrocas, precisamente no troço que ligava à Cidade Alta. "Foi nessa ponte que o genial burlão Alves dos Reis ofereceu (atravessando-a de comboio) um espectáculo inolvidável aos luandenses. Com base num diploma falsificado que o confirmava como engenheiro de máquinas, conseguiu ser admitido para o posto de director do Caminho-de-Ferro de Ambaca”, recorda o livro publicado pelo Caminho-de-Ferro de Luanda para assinalar  os seus 127 anos.

Rui Ramos, jornalista e antigo estudante do Liceu Nacional Salvador Correia, diz que a estação da Maianga jogou um papel preponderante no que concerne ao transporte de funcionários e alunos universitários que residiam próximo à linha férrea. "Para além de beneficiar os funcionários públicos que trabalhavam nesta zona do Largo da Maianga, e não só, nós também como estudantes do Liceu éramos os principais beneficiados”. 

Rui Ramos diz mais adiante que,  como vivia no Rangel  com os seus pais, aproveitava apanhar o comboio que passava pela estação do quilómetro 5, na zona do Hospital Militar, e que tinha o seu término na Estação da Maianga. "Assim que chegássemos à estação, em companhia dos meus colegas, subíamos a rampa do Liceu  toda ela verdejante e dirigíamo-nos à escola. Eram bons tempos”, recorda o, porventura, mais velho jornalista angolano ainda no activo.

PRÉDIO DO LIVRO
Maianga versus Bairro do Café
 

O lendário e imponente prédio do Livro da Maianga, como tem sido erradamente referenciada essa magnífica infra-estrutura de betão armado, situado na rua Nkwame Nkrumah, na verdade está localizado no antigo Bairro do Café e não na Maianga. A fronteira entre o Bairro do Café e a Maianga está delimitada no final da rua Brito Godins, no sentido de quem vem do Liceu para a zona da Maianga; subindo à esquerda encontra logo a seguir a rua Nkwame Nkrumah, que delimita o Bairro do Café com as zonas do Alvalade e da Maianga.

Rui Sancho diz que o Prédio do Livro sempre pertenceu ao Bairro do Café e não à Maianga.  "O Prédio do Livro está dentro da zona que no tempo colonial foi delimitada pelos serviços de urbanismo. O prédio está acima do limite ou do triângulo no final da rua Brito Godins. Esta zona pertence ao Bairro do Café e não ao contrário”, recorda.

Lembrou que "mais abaixo, em direcção ao Largo da Maianga, à direita existe uma avenida que dá acesso à antiga Estação da Maianga (Cidade Alta), que nos anos 60 foi desactivada por questões meramente comerciais”.

Rui Sancho defendeu a necessidade das gerações vindouras conhecerem "esses pormenores da nascença e evolução da zona, com a finalidade de não distorcerem a história do bairro que actualmente se chama Maculusso”.

O nosso interlocutor disse ainda haver registos daquilo que afirma, mas que, infelizmente, muitos dos arquivos desapareceram logo a seguir à proclamação da independência do país.

LICEU SALVADOR CORREIA
Marco na história educacional de Angola

Tendo sido fundado no início do século XX, o Liceu Salvador Correia é uma das mais antigas instituições de ensino em Angola. Grande parte da elite intelectual do país passou por esta instituição.

De acordo com o historial geralmente aceite,  a  25 de Abril de 1890  cerca de trinta jovens da capital resolveram, numa assembleia na casa de Caetano Vieira Dias, enviar um requerimento solicitando ao então governador de Angola a possibilidade da criação de um Liceu em Luanda. O requerimento foi entregue, porém a resposta nunca foi dada. Estava, no entanto, dado o pontapé de partida para a luta pela implantação  deste Liceu. 

A 22 de Fevereiro de 1919, a portaria número 51 do Governo Geral de Angola, assinada pelo governador-geral Filomeno da Câmara de Melo Cabral, criou o Liceu Central de Luanda. No dia  13 de Dezembro de 1923, o ministro das colónias, Mariano Martins, equipara o Liceu Central de Luanda ao regime jurídico dos liceus da Metrópole,  passando a ser oficialmente denominado Liceu Salvador Correia.

Mais adiante, a 17 de Julho de 1937, foi atribuído um terreno situado na avenida Brito Godins, em Luanda, para aí ser edificado o futuro Liceu. O projecto foi elaborado pelo arquitecto José da Costa e Silva. As obras começaram a 15 de Novembro de 1938 e a inauguração ocorreu a 5 de Julho de 1942.

Após a independência, o Governo angolano mudou o nome da instituição, em 1975, para Escola Mutu ya Kevela, um líder do Reino do Bailundo que promoveu a maior revolta nativista do continente africano contra o poder colonial antes da Primeira Guerra Mundial.

Em 2008, em função do mau estado em que se encontrava o edifício, a Escola Mutu ya Kevela foi desactivada temporariamente e os   seus alunos transferidos para várias escolas da cidade.  O avançado estado de degradação das instalações chegou a mobilizar uma associação de antigos alunos, que em 2006 divulgou um projecto de reabilitação do edifício, orçado em nove milhões de dólares.

Em Fevereiro de 2018, o Centro Pré Universitário (PUNIV) foi fundido com a Escola Mutu ya Kevela para dar origem ao Magistério Mutu ya Kevela, e, em Abril de 2018, as aulas foram  retomadas na nova Mutu ya Kevela, restaurada de acordo com o projecto original do antigo Liceu Salvador Correia. A instituição forma   professores para o ensino pré-escolar, ensino primário e ensino secundário. Enfim, é uma história de luta pela preservação de um património histórico nacional que teve final feliz.

No antigo Liceu Salvador Correia, recorde-se, estudaram várias personalidades que se tornariam dirigentes do país, nomeadamente, só para citar estes, os ex-Presidentes da República de Angola António Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos.

Em termos académicos, o Bairro do Café, obviamente, não se resumia ao Liceu Salvador Correia. As crianças  nascidas nos anos 60 tinham como opções frequentar os estabelecimentos de ensino existentes, nomeadamente,  as escolas preparatórias Dom João I, Escola Comercial  Vicente Ferreira, Escola Técnica Emídio Navarro e os colégios do Algarve,  Académica e Santa Ana.

Depois de terminarem os estudos nesses estabelecimentos muitos alunos optavam por enquadrar-se noutras escolas bem próximas do bairro, a saber, a Escola Comercial (actual 1º de Maio) ou a Escola Industrial  (antigo Makarenko, actual IMIL).

MATERNIDADE LUCRÉCIA PAIM
Maior hospital especializado de Angola

Maria do Carmo Vieira Machado era a designação atribuída à antiga Maternidade de Luanda, inaugurada em 1938, e que, no período pós-independência, foi rebaptizada Maternidade Lucrécia Paim.

Lucrécia Paim, nascida em Caxito a 16 de Outubro de 1939, foi assassinada em Kinkuzo, na actual República Democrática do Congo, em Março de 1967, em companhia das suas colegas igualmente mártires Deolinda Rodrigues, Engrácia dos Santos, Irene Cohen e Teresa Afonso.

Membros do Movimento Popular de Libertação de Angola  (MPLA),   elas faziam parte do Esquadrão Kamy, uma coluna guerrilheira do EPLA, a então ala armada do MPLA. Capturadas pelas forças guerrilheiras da FNLA, num dos episódios mais infames da luta fratricida que opunha os movimentos de libertação nacional ao mesmo tempo que lutavam contra o regime colonial português, as guerrilheiras do MPLA foram assassinadas na referida base.

A Maternidade Lucrécia Paim é a maior unidade hospitalar especializada em gineco-obstetrícia em Angola, servindo também como hospital-escola da Faculdade de Medicina  da Universidade Agostinho Neto.

Antigos moradores contam a história

Rui Sancho Fernandes, nascido na década de 1950 no Bairro do Café, afirma que "nos anos 60, depois da execução de lancis, passeios e da intervenção da LAL (Luz e Água de Luanda) e dos Serviços Municipalizados de Água e Energia (SMAE), lançarem a canalização de água potável e fazerem os esgotos de saneamento básico e das águas pluviais, o musseque Braga passou então a chamar-se Bairro do Café”. 

Amante ferrenho dos desportos do mar, Rui Sancho  diz que nos anos 1960 já havia energia eléctrica instalada no bairro, e que o passo a seguir a este   projecto social foi a asfaltagem das principais ruas.

O interlocutor do Jornal de Angola esclarece que morou no rés-do-chão da primeira casa no gaveto da rua Comandante Bula (ex-Sidónio Pais) com a rua Frederico Welwitschia. 

O bairro do Café, fez saber a nossa fonte, "fica encastrado entre o Maculusso,  rua Che Guevara  (ex-General Carmona), rua Lenine (ex-Brito Godins), Liceu Mutu ya Kevela (ex-Salvador Correia)  e o Puniv (ex-Escola Técnica Emídio Navarro). A circunscrição faz fronteira com a Maianga a Sul, a Norte com o bairro de Alvalade, a Maternidade de Luanda, o Hospital Militar, o restaurante Bowling e a antiga Estação do Caminho-de-Ferro de Luanda  até ao Maculusso”.

Rui Sancho, que empresta a sua voz como colaborador, há mais de trinta anos, ao programa Bom Dia, Bom Dia da Rádio LAC, da qual é um dos fundadores, disse ainda que quando o musseque Braga surgiu, o bairro Alvalade "eram barrocas onde se depositavam os resíduos sólidos recolhidos na cidade Baixa”.

António Almeida, antigo morador que hoje vive na região de Odivelas,  Portugal,  diz que "nos anos 70 morava num prédio de forma L2, na esquina da rua Silva Porto  com a Farinha Leitão”. O mesmo afirma guardar com saudade e emoção a recordação das ruas onde circulou com frequência na companhia de amigos. "As ruas Brito Godins, Silva Porto, Farinha Leitão, o supermercado Paula de Carvalho e o Cinema Tropical são referências que nunca se apagaram na minha memória”, enfatiza.

Maria da Glória Zeferino, também antiga moradora, diz ter vivido na rua Silva Porto, próximo à  Igreja Sagrada Família. "O Bairro do Café, do que me recordo, ficava entre essa rua e a Escola Vicente Ferreira, por detrás do Liceu Salvador Correia”, afirma.

Jorge Teixeira conta que morou num dos prédios que fazia fronteira com o Bairro do Café, ali mais abaixo da rampa do Liceu Salvador Correia. "A fábrica dos televisores (ERT) ainda não existia e o meu prédio ficava perto da antiga Estação da Maianga ou da  Cidade Alta”.

Filipe Poulson, 60 anos, dá a conhecer que viveu  nos anos 1960 no prédio ao lado de "uma das magníficas vivendas” de primeiro andar na rua Barbosa du Bocage. "Naqueles tempos, juntamente com os meus familiares, assistíamos da nossa cozinha, durante o almoço, aos paraquedistas a saltar do avião ‘barriga de ginguba’(Nord Atlas), nos seus treinos”. 

João Barata Tenreiro viveu  no bairro  do Café  de 1961 até 1975, na então rua Silva Porto, em frente ao Café Furta Cores. Era nesse estabelecimento, cujo proprietário era o senhor Anastácio, onde ele se juntava aos "amigos das motorizadas e da caça” para momentos de lazer. Recorda que a casa onde residiu foi demolida, e, em seu lugar, foi construído  um edifício de cinco andares. Diz lembrar-se, com saudades, "dos velhos tempos em que frequentava, em companhia dos amigos, o Cinema Tropical”.

José Augusto Duarte Ferreira, por sua vez, lembra que nos anos 1960 morou no bairro com João Fernandes, chefe de Redacção da revista Notícia, e o pintor Carlos Fernandes, seu velho amigo e vizinho. "Não eram familiares, apesar de terem o mesmo apelido, o qual nada tinha a ver com o nome do Largo (João Fernandes Vieira). Era pura coincidência”, conta.

Residia também na circunscrição o jornalista João Charula de Azevedo, fundador da revista Notícia, bem como o grande futebolista Fernando Peyroteu, nascido na Humpata, província da Huíla,  e  que  se transferiu e notabilizou nos anos 1970 no Sporting Club de Portugal.

De figuras carismáticas do Bairro do Café não é tudo. Residiu também lá, nos anos 1960, o senhor Artur, cujo pai era o dono da Casa Popular. Refira-se também como antigo morador o senhor Galvão, da Cervejaria Académica.

José Coelho, ex-morador, afirma ter boas recordações de lugares como o grande armazém António Paula de Carvalho, a Cervejaria Nicola, que ficava na esquina da rua Tavares de Carvalho com a avenida  General Carmona, e, não muito longe, o Rádio Clube, assim como as antigas instalações do Benfica de Luanda, onde, segundo refere, "durante anos assisti filmes que lá eram projectados”.

"No Largo da Lumena havia lindas acácias perfiladas  que davam o ar da sua graça quando fôssemos à antiga Escola Comercial Vicente  Ferreira”, lembra Edith Carreira, colega de escola  de Zé Galvão, um dos filhos  do dono do Bar Académica.

"Eu morava na rua Cabral Moncada e passava pelo Largo da Lumena todos os dias, pois estudava no Colégio do Algarve. Ah, que grandes saudades”, suspira.

Naquele tempo existia também no Bairro do Café a Clínica Vida e a Escola 30 (antigo Colégio do Algarve). Do outro lado da estrada estava o  Largo da Lumena, onde havia uma famosa geladaria com o mesmo nome.

Ermelinda Varela Brás morou no bairro nos anos 1960, na rua Bento Banha Cardoso, que começava junto ao portão das traseiras do Liceu Salvador Correia e atravessava a Sá da Bandeira junto à Cervejaria Académica até à rua que seguia para a Sagrada Família.

"Comíamos do terno da Cervejaria Académica, ainda no tempo do senhor Galvão, e depois do senhor Joaquim, que veio para o Fundão, onde tinha um restaurante sólido”, recorda Ermelinda Brás.

António Rodrigues, que morou na circunscrição durante os anos 1970, conta que era na rampa do Liceu onde os instrutores de uma escola de condução-auto levavam os alunos para fazerem o problemático ponto de embraiagem.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Reportagem